Origens da Capoeira
A capoeira, na sua mais completa
definição e formação, nasceu no Brasil. Com início da colonização, os
portugueses viram no trabalho escravo um instrumento para o desenvolvimento
desejado. Tentaram, no começo, escravizar e explorar o trabalho dos indígenas
que aqui já viviam, mas as características físicas e culturais, somadas à
resistência ao trabalho cativo por parte dos índios, os levam à morte rápida no
cativeiro. A saída encontrada pelos colonizadores foi a escravidão negra, o
tráfico de homens negros, trazidos do continente africano para o início de
grande saga que marcou a sociedade brasileira: o período das torturas, da lei
da chibata e da morte como reguladora das relações de trabalho. Um povo passou
a viver na escravidão.
Assim, já no início do século
XVI, milhares de africanos foram desembarcados em terras brasileiras. Com eles,
a história do país ganhou alterações. Inicialmente foram mão-de-obra nos
canaviais e depois na mineração e em outras atividades produtivas. Foram
trazidos contra sua vontade, mas, naturalmente, trouxeram sua cultura, sua
vivência e, com ela, a semente da liberdade que nunca morreu, mesmo na terra
marcada pelos horrores da escravidão.
É claro que essa cultura não
estava nas escolas, nos livros nem nos museus. Mas era guardada no corpo, na
mente, na vivência histórica do povo e transmitida há séculos através das
gerações. Manifestava-se por intermédio da música, da dança, da comida, da
filosofia e da religião. Basta recorrer à história do Brasil e encontraremos, a
partir do século XVI, a cultura negra presente com o seu vasto conjunto de
expressões.
A origem do termo, que a maioria
dos etnólogos acredita que seja originário do tupiguarani, “caa” significa mato
e “puera” que foi mato. Diziam que quando o negro fugia ele ia para o mato,
para a “capoeira”. Estima-se que a capoeira surgiu por volta de 1600, mas não
se sabe ao certo se foi nas senzalas ou nos quilombos.
Nas senzalas, era praticada nos
momentos de folga e para os senhores não desconfiarem de que aquilo era um
combate, aliaram aos golpes, a ginga e a música.
Nas fugas para o quilombo, a
capoeira foi muito útil para os escravos nas lutas contra os capitães-do-mato e
capatazes. Os negros ficavam escondidos na mata, e quando os capitães chegavam,
esperavam a hora certa para atacá-los. Nas batalhas para a destruição dos
quilombos a capoeira também foi de grande valia para os negros.
A Resistência
Nenhum povo vive eternamente sob
o jogo da escravidão sem se revoltar. Com o negro no Brasil não foi diferente.
Suas primeiras reações contra o cativeiro foram as fugas e as revoltas
individuais e desorganizadas. Com o tempo, sentiu a necessidade de organizar
sua resistência contra o opressor e passou a planejar as fugas e a pensar as
formas de luta que travaria para se libertar. Também entendeu que precisava de refúgios
seguros, longe ds fazendas, da polícia e capangas do branco escravocrata.
O Corpo Como Arma
Para realizar as fugas, o negro
entendeu que precisava lutar. Não tinha acesso a armas nem a qualquer outro
recurso de guerra. Tinha apenas seu corpo e a vontade férrea de se ver em
liberdade. Havia trazido da África lembrança de jogos e "dança das
zebras", disputa festiva pelo amor de uma mulher. O próprio trabalho
pesado dotava-lhe de força os músculos. Era preciso juntar e canalizar essa
agilidade e força para a luta. A observação do comportamento de alguns animais
brasileiros, particularmente o lagarto, a cobra e a onça, que atacam e
defendem-se com destreza, ajudou na formação de um conjunto de movimentos que
reuniu, então, a agilidade, a técnica e a força.
O Nome
Tornou-se necessário praticar,
treinar e organizar os movimentos conhecidos em forma de luta. Para isso era
necessário afastar-se das vistas dos feitores e guardas das fazendas, engenhos
e minas. Mais uma vez o negro encontrou na natureza esse apoio. Entrava nos
matos próximos às senzalas para se esconder e se preparar para a luta. Escolhia
o mato com poucas árvores e de ramagem baixa. Essa vegetação leva o nome indígena
de "capoeira". Esse termo passou a designar também a forma de lutar e
de adestrar o corpo utilizada pelo negro para enfrentar seus opressores: a
Capoeira.
Arte - Dança - Música -
Instrumento ...Louvo aqui meu berimbau mestre eterno de todo capoeira na
senzala
ele avisava da chegada do feitor
Berimbau avisou ê ô a chegada do feitor...
Mas, nem sempre era possível
afastar-se para o mato para o ensaio da luta. Como o negro nunca deixou de
praticar sua cultura, era comum, durante o período da escravidão, que se
juntassem grupos de homens e mulheres para a cantoria, para a dança e mesmo
para o culto aos orixás que também são saudados com ritmos e cantos. Como a Capoeira
nasceu conjugado movimentos de danças, os encontros festivos ou místicos
passaram também a ser mais uma oportunidade para a sua prática, já que esses
encontros, principalmente os festivos, não eram reprimidos pelos donos de
escravos. Assim a Capoeira ganhou o acompanhamento de cantos e ritmos que
acabaram incorporados eram os disponíveis e já conhecidos pelo negro com
destaque para o berimbau, o atabaque e o agogô. Mas foi o berimbau que ficou
como uma espécie de símbolo da Capoeira já que o atabaque e o agogô integram a
mitologia africana chegando mesmo, no caso do atabaque, a ser reverenciado como
uma divindade. Desta forma, o berimbau, considerado o mestre dos mestres na
Capoeira, ganhou importância nas lutas pelas suas possibilidades rítmicas e sonoras.
Ganhou a função de comandar o jogo da capoeira com seus diferentes toques.
Então, ao som dos instrumentos, palmas e cantorias, o negro recriava o seu
universo cultural, cultivava o seu misticismo, alegrava-se ou lamentava-se e
ainda se preparava para a luta.
Os feitores e capatazes passavam
ao lado da festança e acreditam ser apenas um encontro para a "dança de
Angola", que recebia esse nome em função da nação africana que mais cedeu
negros para o tráfico de escravos. Afastando-se os feitores, intensificava-se o
treinamento e o negro aparelhava-se cada vez mais para lutar. Mesmo que um
feitor parasse e ficasse admirando a dança, dificilmente compreenderia que
aqueles movimentos, executados com leveza dos felinos e com a plástica de um
bailarino, pudesse trazer, no seu conjunto, poderosos golpes desequilibrantes,
traumatizantes e rápidos como o bote da temível cascavel.
As Fugas e os Quilombos
Mas a escravidão continuava, o
sangue do negro molhava as terras do Brasil ao mesmo tempo que sua
força-de-trabalho movia a economia da então colônia portuguesa. Mas o negro não
aceitava a condição de escravo nem os métodos desumanos da escravidão. Lutava,
fugia, procurava ganhar forças junto a outros setores da comunidade,
sensibilizava os chamados abolicionistas.
Em suas fugas utilizava-se da
Capoeira para o enfrentamento com os seus opositores. Embrenhava-se no mato,
procurava um lugar onde a água fosse boa e a terra generosa e que fosse de
difícil acesso aos chamados "capitães-do-mato", homens encarregados de
recapturar os negros fugitivos. Essas localidades, que agregavam geralmente um
significativo número de homens e mulheres negros, ficaram conhecidos como
"quilombos" e seus moradores como "quilombolas".
O mais famoso e importante
quilombo da história brasileira foi o quilombo de Palmares, que surgiu no
início do século XVII onde hoje se situa o atual Estado de Alagoas.
Esse quilombo ganhou importância
pela sua organização interna, sua capacidade de resistência na guerra contra os
escravocratas e pela eficiência de seus integrantes na produção de alimentos,
roupas e posteriormente armas. Palmares resistiu a quase um século as agressões
dos brancos.
Todo quilombo possuía um líder, o
Ganga Zumba que, por sua vez obedecia a um líder maior, com influencias em
vários outros quilombos, chamado Zumbi, um misto de homem-guerreiro e de deus
da guerra. O mais famoso foi justamente o lendário Zumbi dos Palmares, hoje
símbolo da toda luta e resistência contra todas as formas de injustiça e de
opressão. Zumbi dos Palmares comandou os guerreiros de Palmares nos últimos
anos de existência daquele quilombo.
Estrategista habilidoso,
guerreiro imbatível, instituiu a Capoeira no adestramento de seus homens.
Palmares foi destruído em 1694 pelo bandeirante paulista Domingos Jorge Velho.
Zumbi conseguiu escapar vivo, mas tempos depois foi traído. Preso, foi
decapitado e sua cabeça viajou quilômetros para assustar, intimidar os negros.
Não adiantou. Os negros julgavam Zumbi imortal e a luta continuou...
A Abolição e as Dificuldades
Em 1888 ocorreu "Abolição da
Escravatura". O mínino que se pode dizer é que a capoeira desempenhou
importante papel para apressar o fim da escravidão instituída. Foi luta, foi resistência,
foi instrumento que apavora os opressores. Reunidos em grupos, os negros
formavam as famosas "maltas", conjunto de capoeiristas temíveis que
investiam contra fazendas e engenhos para libertar outros negros. A capoeira
convenceu, pelo medo, aqueles que insistiam em ver na escravidão vantagens
econômicas, que o melhor seria a abolição.
Mas os problemas dos negros não
terminam com a assinatura da Lei Áurea. A falta de trabalho, o difícil acesso à
educação e mesmo a exploração dos que conseguiam alguma forma de emprego
continuam existindo e marcam nossa história até os dias de hoje.
Os capoeiristas, após a abolição,
encontraram mais uma vez na capoeira meio de sustento e instrumento de educação
de seus filhos e apadrinhados. Faziam exibições públicas, participavam de
apostas e desafios nos quais sempre se podia ganhar algum dinheiro. Continuou
também como uma arma de defesa de uma camada social explorada e discriminada.
Por outro lado, foi impossível
barrar o surgimento de grupos que colocavam a capoeira a serviço de grã-finos e
de políticos inescrupulosos que sabiam muito bem usar o povo contra o próprio
povo. As Maltas menos esclarecidas eram utilizadas para desmanchar comícios,
perseguir adversários políticos e desmanchar reuniões públicas. Consta até
mesmo que, aproveitando-se da ilusão de que a princesa Isabel era protetora dos
negros, os monarquistas criaram grupos de capoeiristas que atacavam os
republicanos.
A Proibição
Perseguida a ferro e fogo durante
a escravidão, a capoeira continuou sendo alvo dos poderosos mesmo após a
abolição. Agora era com leis que tentavam dar-lhe um fim. O código penal de
1890, criado e imposto durante o governo de Deodoro da Fonseca, proibiu a
prática da capoeira em todo o território nacional. O código foi reforçado com
decretos que especificavam penas pesadas contra capoeiristas. A perseguição
oficial somava-se o ódio de alguns chefes, chefetes e vassalos da polícia que
tentaram, então, exterminar por completo a capoeira. O motivo só pode ser
aquilo que ela traz na sua essência: A Liberdade.
E foi em nome da liberdade, agora
não somente para o negro mas para a capoeira como um todo, que a luta
continuou. E mesmo sob o ferro da repressão, grandes nomes de capoeiristas
célebres passaram para a história como Nascimento Grande, Manduca da Praia,
Natividade, Pedro Cobra e Besouro Magangá, entre outros. Mas é o nome desse
último, Besouro nasceu na Bahia e ganhou esse nome devido à lenda que o cerca,
atribuindo-lhe a capacidade de se transformar em inseto e fugir voando quando
cercado por muitos homens armados. Sem usar armas, o famoso capoeira, bateu-se
a vida toda contra a injustiça. Defendeu trabalhadores contra patrões
desonestos, investiu inúmeras vezes contra a polícia para defender inocentes.
Perseguido, nunca deixou-se prender. Nem as balas conseguiram acabar com ele.
Foi vítima de uma arma mais poderosa: A Traição. Seu nome é glória na capoeira
e símbolo de todo aquele que combate a injustiça e a desigualdade.
Mesmo com toda perseguição, a
Capoeira não foi extinta. Nos terreiros, nos quintais, no mato, ela continuou
sendo transmitida de pai para filho, de amigo para amigo, de camarada a
camarada. Continuou inclusive seu aperfeiçoamento, sua capacidade de dotar o
corpo de condições perfeitas para todo o tipo de enfrentamentos. Sobreviveu aos
diversos períodos ditatoriais pelos quais passou a República no Brasil.
Em 1932, no Governode Getúlio
Vargas, o país enfrenta mais uma de suas inúmeras crises. Getúlio Vargas,
político esperto, trata de agradar o povo com medo de sua possível revolta
organizada. Sabia que a Capoeira estava latente no seio do povo e mandou que a
liberassem. Impôs, porém, a condição de que ela fosse praticada apenas como
folquedo, como "folclore", e que perdesse, assim, sua condição de
cultura popular, de elemento utilizado pelo povo.
Da Angola Surge a Regional
Foi após a liberação que a
história de Capoeira sofre uma profunda divisão. Continuou sendo praticada nas
suas oringens, ainda com o nome de Capoeira de Angola mas perdia terrenos para
outras formas e costumes que visavam atender a interesses econômicos, como o
turismo, e interresses políticos para agradar autoridade plantão. Um nome que
lutou a vida toda para preservação da Capoeira, como cultura popular, como
herança histórica foi Mestre Pastinha - Vicente Ferreira Pastinha, chamado
Mestre dos Mestres na Capoeira. Para Pastinha, a Capoeira era muito mais que
luta, que esporte, era filosifia de vida.
Mestre Pastinha
A grande marca da Capoeira de
Angola é o seu apego à intuição, à capacidade do corpo de responder as
necessidades, cultiva mais que a força, o reflexo e a malícia. Caracteriza-se
muito mais pela defesa do que pelo ataque e perspicácia em perceber o melhor
momento para os golpes fatais. Essas características dotam-lhe de grande beleza
plástica e nas rodas, os movimentos parecem ocorrer em câmera lenta. Isso deu
ao Mestre Pastinha a condição de ser chamado de "O Poeta da Capoeira".
Outro nome a respeito e
importância dentro da Capoeira foi o Mestre Bimba - Manoel dos Reis Machado,
baiano, criador da Capoeira Regional. Bimba aprendeu capoeira com um negro
africano. Seu primeiro contato foi com a Capoeira de Angola. Tendo sido um excelente
aluno, tornou-se rapidamente um exímio capoeirista. Preocupou-se com o
aperfeiçoamento técnico da capoeira e foi o primeiro a tentar sistematizar uma
linha para o aprendizado da luta. Passou a estudar os movimentos do corpo na
capoeira, seu equilíbrio e a velocidade que precisavam atingir. Tomou contato
com outras lutas, observou novamente as danças brasileiras. Juntou tudo isso e
formou um mátodo de ensino no qual, antes de conhecer a capoeira propriamente,
o aluno passa por uma série de exercícios físicos que lhe darão condições de
jogo, e luta. Bimba foi absorvido, em grande parte, pelas idéias de transformar
a capoeira em puro Esporte Nacional, sem associá-la a sua Essência História
mas, nem por isso, deixou de prestar um grande serviço à Capoeira. Sua
preocupação maior foi a de permitir que qualquer um, branco, negro, forte ou
fraco, tivesse acesso ao aprendizado da Capoeira.
Mestre Bimba
Pensando assim, em 1937 Bimba
fundou sua famosa academia agora com todo um método de ensino. Não havia mais o
improviso, nem o peso da intuição e da malícia. Com Bimba a Capoeira precisava
ser treinada exaustivamente e o condicionamento físico passou a ser mais
importante que a malícia e o reflexo. Com a incorporação de elementos de outras
lutas, os golpes de ataque passaram a ter mais presença e importância do que os
de defesa, a força ganhou mais destaque que a manha e a astúcia. Muitos dizem
que a Capoeira Regional empobreceu a Capoeira, mas talvez esta não tivesse
sobrevivido às perseguições se não fossem as inovações concluídas por Mestre
Bimba. E nunca poderá ser negado que a Regional é uma evolução da Capoeira de
Angola. E a Capoeira está viva.
Nos dias de hoje
Hoje, não sem luta nem sem
esforços, a capoeira ganhou mais espaço e respeito. Sua força e importância são
de tamanha grandeza que, mesmo diante de tantas perseguições, continua
existindo e se multiplicando. São inúmeras as academias existentes no país e,
em muitas, a preocupação com a preservação de sua integridade histórica é
constante. Algumas, ao lado da regional, ensina-se também a capoeira de angola.
Em toda academia que merece ser chamada de academia de capoeira são ensinados
os cânticos, as músicas e letras e o domínio de, pelo menos, um dos
instrumentos da capoeira.
Um forte movimento social,
juntamante com pedagogos, psicólogos e professores, vem desenvolvendo um
trabalho sério no sentido de provar às autoridades que o ensino da capoeira é
uma prática das mais adequadas para os estudantes brasileiros. O movimento visa
à adoção da capoeira nas salas de aulas de educação física, nas escolas
brasileiras.
Muitas escolas já adotaram no Rio
de Janeiro, na Bahia e em São Paulo. O argumento incontestável para essa adoção
é o que a capoeira proporciona em termos de equilíbrio, concentração, aumento
dos reflexos e de toda a coordenação motora. Além disso, o contato com a
capoeira é um mergulho na história do país. Um incentivo para uma visão de
mundo mais solidário e mais humana, no conturbado contexto de nossa sociedade
atual.
Referências
Federação de capoeira desportiva do Rio de Janeiro http://www.fcdrj.com.br/Capoeira.php
Acessado em 19 de abril de 2013.
Centro Cutural Água de beber www.aguadebeber-pt.com
Acessado em 19 de abril de 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário